A guerra societária que quase quebrou a Bombril
Com 75 anos de atividade e uma receita líquida de mais de R$ 1,4 bilhão em 2022, a Bombril é uma das marcas mais famosas do Brasil. Mas você sabia que a empresa quase foi à falência no início dos anos 2000? Entenda essa história que envolve briga de família, fraude e até prisão.
Tudo começou em 1948, quando Roberto Sampaio Ferreira recebeu como pagamento de uma dívida uma máquina de extração de esponjas de lã de aço, até então um produto importado, caro e pouco acessível no Brasil.
Nessa época, as panelas de ferro estavam cedendo lugar às feitas de alumínio, mais modernas, leves e rápidas de aquecer. No entanto, as donas de casa reclamavam da dificuldade de limpá-las com esponjas comuns.
Percebendo a oportunidade, Roberto começou a vender esponjas de aço, que deixavam as panelas brilhando como se fossem novas. Por isso o nome “Bombril”, que é uma abreviação de “bom brilho."
Além disso, elas também eram eficientes na limpeza de vidros, louças, azulejos e ferragens, o que lhe rendeu o apelido de produto “1001 utilidades”.
O sucesso foi imediato e já no primeiro ano foram vendidas 48 mil unidades.
Nas décadas seguintes, a Bombril cresceu de forma acelerada e lançou diversas linhas de produtos como detergentes (Limpol), desinfetantes (Pinho e Kalipto) e até embalagens plásticas.
Além disso, a marca investiu pesado em publicidade, tornando as suas propagandas com o ator Carlos Moreno, o Garoto Bombril, reconhecidas em todo país.
Mas as coisas estavam prestes a mudar.
Após o falecimento de Roberto Sampaio em 1981, seus três filhos começaram a divergir sobre o futuro da companhia. Eis que uma figura muito polêmica entra em cena: o empresário italiano e ex-presidente da Lazio, Sergio Cragnotti.
Conhecido como "Rei dos Lucros", Cragnotti era famoso por comprar empresas “baratas” (geralmente enfrentando problemas societários) e depois vende-las com lucro. Seguindo essa estratégia, ele convenceu dois dos herdeiros da Bombril a vender o controle da empresa para ele em 1991.
Acontece que a sua passagem pela Bombril foi marcada por uma enxurrada de denúncias e irregularidades.
Um dos casos mais famosos aconteceu em julho de 1997, quando Cragnotti determinou que a Bombril comprasse a Cirio, uma de suas empresas na Itália.
Na época, a Bombril desembolsou US$ 380 milhões à vista. Os recursos para a aquisição foram obtidos com aumento de capital na bolsa brasileira (com participação de gigantes como Previ, BNDESPar e Dynamo).
O problema é que, em dezembro de 1998, Cragnotti fez uma nova operação. Desta vez, a Bombril vendeu a Cirio (a mesma companhia que havia sido comprada um ano e meio antes) para outra empresa do empresário italiano.
O negócio saiu pelos mesmos US$ 380 milhões, mas com um detalhe: a Bombril receberia o dinheiro a prazo. Entretanto, como a Cirio enfrentava problemas financeiros, a Bombril nunca mais viu a cor desse dinheiro.
Na prática, Sergio Cragnotti estava financiando suas empresas estrangeiras com dinheiro da Bombril injetado pelos acionistas minoritários.
Esse episódio motivou uma denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que concluiu posteriormente que a Bombril teria “emprestado” mais de R$ 1,3 bilhão às empresas de Cragnotti entre 1995 e 2001.
Em 2002, Ronaldo Sampaio Ferreira (o filho do fundador da Bombril) entrou na justiça contra Cragnotti alegando que o mesmo não teria pago a ele valor acordado na venda da sua participação.
O caso foi parar na justiça brasileira e, um ano depois, Cragnotti e outros executivos italianos foram afastados da Bombril, que entrou em administração judicial.
No mesmo ano, Cragnotti também foi acusado na Itália de fraude, declarações falsas ao mercado e falência fraudulenta. Em 2004, ele chegou a ser preso depois de tentar interferir na investigação.
Com o afastamento de Cragnotti na Itália, Ronaldo e os interventores italianos chegaram a um acordo no qual a Cirio daria ao brasileiro o controle da Bombril, quitando assim a sua dívida com ele.
Contudo, quando Ronaldo finalmente retomou o controle acionário em 2006 a situação financeira da Bombril já estava bastante complicada. Durante a administração judicial, a Bombril registrou prejuízos de R$ 2 bilhões e acabou se afundando em dívidas.
Para você ter uma ideia da crise, em 2013, devido à falta de dinheiro para produção e distribuição, a Bombril chegou a sumir das prateleiras dos supermercados. Em 2015, as dívidas da empresa chegaram a R$ 900 milhões.
Desde então, após um longo período de reestruturação e anos sem praticamente nenhum crescimento, em 2022 a Bombril deu seus primeiros sinais de recuperação, registrando um Ebitda recorde de R$ 189,7 milhões (3,8x maior do que no ano anterior).
Será que a empresa um dia vai voltar a ser aquela gigante do passado?